O nascimento de Francisco

O nascimento de Francisco

8 de junho de 2016 294 Por michelleprazeres

Essas são imagens sobre tantas coisas…

É sobre ser mulher
Sobre o feminino sagrado
Sobre tornar-se mãe
Sobre escolher viver a dor
Acolher esta dor (e não lutar contra ela)

A dor que transforma, porque liberta dos medos mais profundos, quando nos mostra o poder que vem das entranhas, das vísceras

É sobre corpo
Sobre natureza
Sobre sermos bichos humanos
É sobre ser selvagem

É sobre dignidade e respeito
E o direito que temos
De parir como queremos

É sobre cumplicidade
Sobre o olhar e a voz que confortam
E a força que brota do toque
Do amor que acredita
Do companheiro que ativa
A potência do parir

É sobre sororidade
Sobre mulheres que se apoiam
Sobre ter a doula ao lado
Força, paz e sabedoria
Toque que alivia

É sobre presença
Sobre abraços que acalentam a alma e tranquilizam o peito

É sobre respiração
Dilatação
Contração

É sobre expansão
(do corpo e da consciência)

Sobre o afeto, o amor
Que nascem do ardor

É sobre o lar, a casa
Sobre o estar, o viver, o experimentar
O tornar possível
É sobre conseguir

É sobre tanta coisa…

Finalmente, é também sobre o olhar de uma mulher
Uma mulher de sensibilidade selvagem

Uma mulher feita de amor e luz, capaz de captar estas cenas com tanta delicadeza e fortaleza

Estou apaixonada pelo talento e pelo trabalho da Renata Penna, que fez o registro do parto do Francisco

*****

Maira – amor, paz, luz e inspiração – doulas são eternas e infinitas. Gratidão!
Betina – força, serenidade e segurança – GO dos partos artesanais, minha infindável admiração e gratidão!
Edu, amor meu, companheiro e cúmplice, juntos podemos tudo que sonharmos! Obrigada por acreditar em mim, em nós e no poder do nosso encontro!
‪#‎partohumanizado‬ ‪#‎pariremcasa‬ ‪#‎partolivre‬ ‪#‎parircomrespeito‬ ‪#‎parircomamor‬

 

Francisco Prazeres Cordeiro nasceu no dia 8 de maio de 2016, num domingo dia das mães, às 9h45min, em nossa casa, pesando 3kg575 e medindo 50,8cm

 

Desde que eu e o Du descobrimos a gravidez (em 28 de agosto de 2015), começamos a nos organizar para que Francisco nascesse em casa. Ao longo do tempo da gestação, tivemos consultas com a nossa doula Maíra, o pediatra Ricardo e as médicas Betina e Adriana sobre este nosso desejo. Nos organizamos de todas as formas, desde planejando o espaço em casa até nos munindo de itens que são recomendados para o parto domiciliar. Compramos um kit de parto na loja Ilithia, uma mangueira, conectores, panos de chão. Separamos toalhas e lençóis.

Nos preparamos para todo tipo de cenário, porque não conseguíamos pensar na hipótese de não ter o Miguel conosco. Acionamos a tia Pilar e a tia Regina, para ficarem de “plantão”, caso precisássemos buscar o mano na casa do pai. Conversamos com o pai dele, para deixar tudo acertado. Avisamos a escola, caso fosse preciso retirá-lo em horário escolar. E a tia Manu, que chegaria no dia 30 do Rio de Janeiro, também estava ciente de tudo, e poderia ajudar.    

Além de preparar as pessoas, a vida e a casa, nos preparamos também. Assistimos vídeos e filmes, mostramos vídeos pro Miguel. E ele já sabia.

  • Filho, o que a mamãe vai fazer quando o Francisco estiver chegando?
  • Gritar, ele respondia.

🙂

Preparamos o corpo também. Fizemos exercícios de condicionamento do períneo com o Epi-NO e massagens com óleo de gergelim e côco.

E isso sem falar na preparação emocional. Sem muita racionalização, mas com muita consciência, fomos desenhando a jornada… construindo em mútiplas dimensões e aos poucos este sonho que, no dia 8 de maio de 2016, aconteceu e foi ainda mais incrível do que tudo que sonhamos. <3

 

*****

Eu tinha passado por alguns “alarmes falsos” nas semanas anteriores. O último deles tinha acontecido numa noite em que as contrações ritimaram, e chegaram a ficar com intervalos de 1 a 2 minutos, mas depois não engataram. Neste dia, chorei. Lembro que me angustiava a sensação que eu tinha de que não daria conta de dois filhos. Além disso, estávamos ansiosos. Eu estava pesada. Eu estava cansada. Eu não conseguia mais coordenar trabalho, gravidez, filho e todo resto das demandas da vida. Eu já estava desligando e desacelerando para receber o Francisco. Eu já tinha ouvido que é comum repetir a idade gestacional do primeiro filho na gravidez do segundo. Miguel nasceu de 39 semanas e 4 dias. Fracisco só chegaria na semana 40.

 

O choro daquele dia foi um choro necessário. Para abrir caminhos. Depois que consegui conscientizar aquela dor, identificá-la, consegui lidar melhor com ela. Deixar fluir e ver o que virá. Abraçar. Acolher. Aceitar. Agradece. E assim, fui respirando até quando consegui…

 

Fiquei uma semana afastada do trabalho, porque sentia fortes dores na lombar. E a verdade é que já não conseguia estar presente nas aulas, porque meu coração, meu corpo e minha mente já estavam em outro plano.   

 

Voltei naquela semana, e fui trabalhar terça, quinta e sexta, mas fiquei trabalhando apenas no computador, passando eem sala apenas para me despedir dos alunos e alunas.

 

Na quinta, completei 40 semanas de gestação. E fomos ao hospital fazer uma cardiotoco, para monitorar os sinais vitais do Francisco. Algumas horas depois, voltei ao trabalho, mas fui orientada a voltar para casa. O atestado que o médico havia escrito estava tão confuso, que não servia.

 

No dia seguinte, voltei para a Cásper pela manhã para as aulas. Novamente, fiquei em sala, trabalhando no computador. Passei em sala para me despedir dos alunos e ganhei um presente fofo da turma B: um gorro e um par de sapatinhos azuis para o Francisco. Lembro de ficar emocionada agradecer meio sem conseguir coordenar as palavras. Me senti meio “rara”, como se não estivesse presente ali. Mas achei que era do cansaço. E segui meu dia de rotina.

 

Neste dia, tínhamos combinado de nos encontrar na Paulista para almoçar no Gopala. Encontrei o Du com a Manu e o Filipe, amigo dela, e fomos almoçar. Eu andei um bom pedaço da Paulista a pé, e lembro de atrair alguns olhares pelo tamanho da barriga. Já estava numa fase em que as pessoas se sentiam à vontade para dar pitacos de todo tipo na minha vida… rs

 

Almoçamos e fomos para casa. Pegamos o Miguel na escola e ficamos em casa. Achei que estava em TP. Minha irmã foi buscar o Miguel na casa do pai. E ficamos esperando. Novamente, as contrações vinham, mas não engatavam…

 

No sábado, teria que repetir o cardiotoco. Levantamos, e ficamos de preguiça. Como estava em “estado de alerta”, estava em diálogo com a Maira, nossa doula. Ela nos contou que a Betina, nossa médica, estava no hospital e que seria bom aproveitar a presença dela lá, e fazer o exame. Pegamos o carro e fomos, achando que voltaríamos para casa para almoçar com a mana e o Mig.

 

Chegando no hospital, o exame não estava bom. Batimentos lentos do Francisco, e a Betina nos contou que com aquele exame não poderia me liberar. Ela me examinou e a esta altura já sabia que eu estava com 6cm de dilatação, mas não me falou nada… apenas recomendou que eu almoçasse e que voltasse logo depois para refazer o exame. Foi o que fizemos. Comi um pratão de feijoada e tomei um suco de açaí com guaraná. E voltei para fazer o exame que, segundo a enfermeira Madalena, ficou “lindo”. Ela insistia em me perguntar se eu não estava sentindo nenhuma dor. Eu não estava sentindo nada, e a respondia assim. Depois, realizei que ela me perguntava, porque eu já estava em trabalho de parto…

 

A referência da dor e da duração do trabalho de parto do Miguel estavam sempre presentes. Eu estava esperando sentir algo parecido para ter certeza que estava em TP. Mas em consulta com a gente, a Maíra havia nos alertado que o segundo TP é mais intenso e mais rápido, em geral. Inclusive, tinha dito para não demorarmos para acioná-la, porque a coisa depois que engata vai bem rápido.

 

Pois bem.

 

Depois do segundo exame que ficou lindo, o hospital reportou a Betina do resultado, e ela nos liberou. Encontramos com ela no bar em frente ao hospital e ela nos disse “já pra casa”. Quando o primeiro exame tinha saído, ela tinha comentado que estava daquele jeito porque o Francisco estava com fome ou porque não estava bem. Como ela acreditava na hipótese da fome, nos recomendou o almoço. Mas disse que se ele estivesse mal, ficaríamos lá. Lembro que ela disse “se for isso, a gente rompe a bolsa e ele nasce”. Estes dois sinais dela me diziam que alguma coisa estava acontecendo… conhecendo a minha história no primeiro TP, ela não quis me dizer nada para não me condicionar.

 

Voltando para casa, eu sentia apenas algum incômodo quando o Du passava com o carro por buracos muito grandes, mas só. Chegamos em casa e ficamos jogando com o Mig e a Manu. Investimos em jogos de tabuleiro para o Miguel, pois sabíamos que seriam dias mais caseiros pela frente.

 

À noite, depois que o Mig e a Manu foram deitar, nós ficamos na sala, preparando o astral, porque sabíamos que o momento estava chegando. Separei toalhas, lençóis, baldes… arrumei tudo em cima do aparador da sala. O Du encheu a banheira com ar. Ele estourou o “piso” da banheira e ficou chateado, porque a ideia é que a parte de baixo da banheira fosse “fofinha”. Tomamos um susto com o barulho, mas o estouro não comprometeu de modo algum a missão principal da banheira. 😉 Colocamos colchonetes embaixo e ficou fofinho do mesmo jeito.

 

Sala pronta, eram cerca de 22h, começamos a nos recolher para descansar, outra recomendação expressa da Maíra. Relaxar, comer e não demandar nada que me fizesse racionalizar. Deixar a ocitocina tomar o lugar da adrenalina para permitir fluir. <3

 

O Du preparou uma massagem com óleo quente. Ajeitamos as cadeiras da sala e ele me massageou. Pela primeira vez em semanas, relaxei. Depois da massagem, namoramos bastante. Nos tocamos, nos sentimos ali, presentes um pro outro. Choramos juntos. Chamamos o Francisco.

 

Desta vez, de fato, achei que ele estava vindo e que agora estávamos prontos para recebê-lo. Outras vezes havíamos conversado nós dois. E eu dizia para ele que ele poderia vir. Mas foi quando o Du insistiu em me oferecer a massagem; e eu aceitei aquele carinho, que tive certeza e que, certamente, me comuniquei com ele pelas minhas entranhas dizendo que ele poderia mesmo vir. Com esta entrega mútua – Du cuidando e eu me deixando cuidar – certamente contamos pra ele que ele poderia chegar. É certo que parimos como vivemos. <3

 

Tomamos um banho quente juntos e fomos deitar. Dormi “chapada”.

Acordei às 5h30 com vontade de ir ao banheiro fazer cocô. Pensei comigo mesma “danou-se. Quando tive vontade de fazer cocô, o Mig estava nascendo”. Acordei o Du e sugeri que acompanhássemos as contrações, porque estavam “pegando”. Ele voltou a dormir e eu marquei as contrações até as 6h30. Estavam intensas e com intervalos super curtos. Acordei ele de novo. “Liga para a Maíra. Certeza que estou em TP”.

 

Ele ligou para a Má, e eu fui novamente ao banheiro.

 

Du e Má ficaram trocando mensagens de texto instantâneas e ela, enquanto vinha para a nossa casa, foi monitorando o que estava acontecendo com as informações que ele passava. Falou do intervalo das contrações, e de um líquido incolor e espesso que eu havia “derramado” e nem tinha visto, no chão do nosso quarto.

 

Fui para a sala e a posição mais confortável para mim era “de quarto”. Fiquei por um tempo assim no sofá. Quando a Maíra chegou, por volta das 7h20, eu estava lá, ainda de camisola, e já sentindo muitas dores. Uma das minhas últimas “lembranças conscientes” foi de recebê-la, com um abraço muito forte. O abraço da Má sempre acalma. É um abraço que, ao mesmo tempo, aterra, porque dá chão; e liberta, porque diz “pode confiar. Pode se entregar”. E foi o que aconteceu. Depois da chegada dela, as lembranças são espaçadas e pontuais. Então, este relato a partir daqui já conta com registros que foram sendo contados pelo Du, pela tia Manu e pela própria Maíra, que passou em visita na quarta-feira e compartilhou tantas coisas gostosas com a gente. Ela nos surpreendeu com vídeos que registram o exato momento do nascimento, e choramos todos juntos ao rever o que aconteceu na nossa sala naquele domingo.

 

Estava um dia bonito, calor. Atípico para a época do ano em São Paulo, mas faia sol e uma luz linda entrava pelas janelas da sala. Havia um ventinho frio, e nossa casa é bem ventilada. Mas o espaço ficou muito agradável, um clima perfeito. Não senti calor nem frio. Lembro de sentir calor apenas nos momentos finais (que eu não sabia que eram finais) do parto, porque me deu muita sede e o calor da água começou a me pegar…

 

A Maíra me examinou. Precisava saber se estava na hora de chamar a Betina. Acionou a Renata (nossa fotógrafa) e a Betina. Eu sentia dor, e repetia para a Má e pro Du “só quero que seja rápido”. As dores e a duração do parto do Mig voltavam como lembranças e eu pensava “se passar mais de 20 horas sentindo esta dor, eu não aguento”. As constrações do parto do Mig eram mais espaçadas e entre uma e outra eu tinha tempo de recobrar o fôlego. Desta vez, eram dez segundos de intervalo entre uma e outra e elas eram bem mais intensas. Além de sentir uma dor mais forte, eu não conseguia voltar para o prumo entre uma contração e outra, porque não dava tempo. Eu contava para a Maíra que estava com dor e que queria que fosse rápido. E ela me dizia “Mi, está intenso assim, porque está rápido”. E eu não acreditava. Em algum lugar muito lá dentro, algo me dizia que ia demorar e ser muito sofrido.

 

A Renata chegou. Mal me lembro de tê-la cumprimentado. Depois, pedi desculpas pelo modo como a recebi. Rs

Já estava completamente inconsciente quando ela entrou na sala.

Delicada, ela se acomodou e ajeitou seus equipamentos sem fazer qualquer barulho e sem se fazer notar. Ao mesmo tempo, lembro de termos cruzado olhares. Tentei sorrir e ela me respondeu com um olhar cúmplice de “não se preocupe comigo. Estou à vontade”.

 

Depois de cerca de uma hora ali no sofá, com a Má me massageando e me ajudando a lidar com estas dores, eu pedi para ir para a banheira. A água quente aliviaria minhas dores e me ajudaria. Ao mesmo tempo, lembro que foi um momento que eu recobrei a consciência. Tive receio de a água me prejudicar, porque lembro que no parto do Mig a água quente foi minha aliada nas dores, mas me tirou muita energia também. Fiquei com medo de o parto “desengatar”. Mas a Má me disse que eu podia ir, e eu confiei.

 

O Du conta que pouco antes deste momento, a Má pediu que ele agilizasse o enchimento da banheira com baldes. Tínhamos comprado uma mangueira para encher direto da pia da cozinha, e o esquema deu certo, mas o ritmo estava mais lento do que o meu corpo estava pedindo. Ela deu um toque nele e pediu que complementasse com baldes. A mistura da água quase fervente da torneira com os baldes de água mais fria foi perfeita, A banheira ficou com água na temperatura ideal.

 

Depois que entrei na banheira, lembro de nada ou pouca coisa. Relatos do Du e da Manu dão conta de que eu gritava (e a voz não era minha; era de uma “entidade”, sério!) especialmente reclamando da dor forte e insistindo: “não vai dar” e variações como “não vai rolar”; ou “outra dessa eu não aguento” (mencionando as contrações, que estavam muito fortes).

 

No meio de uma contração, enquanto eu gritava muito, Miguel acordou.

 

Manu conta que Mig abriu os olhos e estava se espreguiçando. Quando ouviu meus gritos, deu um pulo na cama e disse: “começou!”. Coisa mais linda…

Manu conversou com ele, dizendo que estava tudo bem, que o Francisco estava chegando e perguntou se ele queria ver.

 

Eles entraram na sala quando eu estava de quatro na banheira, sendo amparada pelo Du, Maíra me massageando; e Betina ao meu lado, me monitorando / orientando.

 

Recobrei a consciência e falei algo com o Mig, como “Francisco está chegando, e a mamãe está gritando, mas está tudo bem. Lembra dos vídeos que vimos?”. E ele pediu para ver desenho com a tia Manu no nosso quarto. Eles ficaram lá até a hora que o Francisco coroou, quando a Betina foi chamá-los.

 

Du cuidava da trilha sonora. Ao longo da gestação, falamos inúmeras vezes da vontade de fazermos uma playlist. Mas não fizemos. Ele puxava os discos e ia colocando aleatoriamente. Claro que já tinha alguns discos e músicas em mente… mas nada ordenado. O som tinha dado um pequeno defeito algumas semanas antes, e estava “travando” quando colocávamos os discos para tocar. Travou em algum momento, quando o Du colocou o disco “Meus quintais”, da Maria Bethânia.

Enquanto estávamos todos ali, na beira da banheira, o disco começou a tocar sozinho. E foi a trilha da chegada do Francisco. Quando ele nasceu – graças ao vídeo que a Maíra nos mostrou, conseguimos ouvir – estava tocando a faixa “Casa de Caboclo”. No relato do nascimento que o Du escreveu* para entregarmos de presente para a equipe – demos para cada um(a) um disco com uma carta – ele registra bem todo contexto que envolve o disco, a música, a obra como um todo. <3  

 

Mais contração. Mais dor. Mais força.

E chega o Douglas, o pediatra. Ricardo estava em outro parto e não pôde vir.

Douglas foi um feliz encontro que nasceu de um imprevisto.

Chegou e conectou. 🙂

 

Mais contração. Mais dor. Mais força.

Mais gritos.

E eu dizendo que não vai dar.

E Du dizendo que vai.

Manu e Mig vendo desenho no quarto.

Maíra massageando.

Betina orientando a respiração e monitorando.

A bolsa sai inteirinha, parecendo uma bexiga.

 

A dor agora é mais forte.

Entre uma contração e outra, sinto vontade de não parar de fazer força.

Quando digo isso para a Betina, ela me pergunta se tenho vontade de mudar de posição. Verticalizar poderia ser bom para a gravidade ajudar Francisco a descer pelo canal.

Fico de cócoras na banheira.

Elas colocam uma banqueta dentro da água.

Du vai para trás de mim e me segura pelos braços, apoiando minhas costas, agachado fora da banheira.

 

Du conta que a certa altura foi emocionante perceber a cumplicidade da Maíra com a Betina. Elas trocavam olhares e se comunicavam apenas desta forma, cuidando para que eu não percebesse a movimentação. Ele prestava atenção e tentava ler os sinais. Em um dado momento, percebeu que este olhar era de “agora vai”. Foi quando ela sugeriu a mudança de posição. A cumplicidade das duas voltaria a nos emocionar, quando, ao final de tudo, elas se abraçaram como quem celebra a lindeza do que fazem. Mais tarde Maíra nos disse que aquele abraço teve de fato muitas dimensões. Uma de “olha que foda o que a gente faz”; outra de comemorar a beleza do que tinha acontecido ali; e outra de festejar meu segundo parto, tendo vivido meu primeiro e saber que eu tinha realizado um sonho, e de perceber quanta transformação e quanto aprendizado e crescimento tinham acontecido na minha jornada. A emoção de me ver feliz, com minha família, meu companheiro, meu primeiro filho que elas também viram nascer. Tudo isso junto e misturado é muito amor. <3

 

Sentada na banqueta, fiz duas forças e Francisco coroou. Maíra me massageava, orientava minha respiração e filmava tudo. Betina me recomendava respirar devagar. Um certo momento, ela disse “respira gostoso” e eu xinguei. “Num tá gostoso, caralho!”. Segundo ela, nesta hora, ela teve certeza de que o Francisco estava mesmo chegando, porque se eu não xingasse nao seria eu parindo. Haha

Du me dava suporte com os braços, em amparando e repetindo em sussurros que ia ficar tudo bem, e que eu ia conseguir.

 

Quando a cabeça do Francisco saiu, senti um grande alívio. Ao mesmo tempo, foi um momento muito estranho, pois a cabeça já estava lá fora; mas lá dentro, na barriga, ele ainda se mexia muito. Sensação louca de que ele já havia nascido, mas ainda estava dentro de mim. Reclamei das mexidas. Doiam muito. Betina me disse que eu poderia puxá-lo, se quisesse. Fiquei com medo de “quebrá-lo” e preferi empurrar. Ela me disse: “você pega, tá, Mi?”. Gritei minha irmã: “Manaaaaa, tá nascendo!”. A Betina foi chamá-los, Manu e Mig.

 

Eles entraram na sala, e eu já não processava nada. Depois, vendo o vídeo, pude observar a animação do Miguel e a emoção da Mana, que me fazem chorar ao lembrar. Quanto amor naquela sala. As pessoas que mais amo na vida estão ali, comigo, me ajudando a parir meu filho na minha casa, com todo afeto e luz que poderiam acompanhar este momento. Sou uma privilegiada mesmo!

 

Mais uma ou duas forças e ele veio. Com uma circular de cordão, da qual se desfez quando “nadou” até o fundo da piscina. Peguei ele meio sem jeito, meio sem forças, enquanto respirava ainda agonizante e soltei um “Franscisco! Filho”, enquanto o trazia para meu colo. E repetia “Francisco!”, enquanto tentava acomodá-lo, muito molinho, o corpo bem branco e a cabeça bem roxinha, entre meus seios.

Todos chorando. Eu e Du nos beijamos. Ele cumprimenta o filho. Manu soluça rindo e chorando de emoção. Mig sorri, acanhado, no colo da tia, observa. Cada um do seu modo, recebemos o nosso menino. <3

 

Maíra pergunta: “Douglas, o horário?”. “9h42”. Alguém conserta: “9h45”.

 

Douglas entrou em ação, e prontamente verificou os sinais vitais. Mantendo ele em meu colo, examinou e sugeriu que mantivéssemos e água quente.

 

Mig entrava e saía do quarto buscando livros e brinquedos para dar pro irmão. Espalhava-os pela sala, se divertindo!

 

Começam a vir as contrações de explusão da placenta. Eu sussurro “não quero mais sentir dor”. Betina me oferece ajuda com a placenta, e eu aceito. Ela faz um puxão para ajudar a placenta a sair, e a placenta sai relativamente rápido. O sangue tinge a água de vermelho. Cordão sem pulsar, Du corta com o bisturi. Pronto. O menino agora é do mundo dos quatro elementos. Deixou a água para estar aqui com a gente: terra, fogo, água e ar.  

 

*****

Depois de findo o parto, Betina me conduziu até o quarto e deitei na cama. Forramos com protetores e ali fiquei sem levantar por um dia. Levantava apenas para ir ao banheiro, com apoio e ajuda. Tomei banho com ajuda da Manu.

 

O Francisco só tomou banho no dia seguinte, quando o Douglas passou em visita e nos orientou sobre o banho de balde.  

 

Depois de todo rolê, tiramos uma fotografia de todos juntos e cada um da equipe foi indo embora.

 

Eram 11h30 e já não tinha mais ninguém em casa. Éramos nós e o bebê que tinha acabado de nascer. Tudo muito natural. Mas é uma sensação de loucura. Ao mesmo tempo em que sim, houve um rito de passagem, estávamos na nossa casa…

 

Manu saiu para buscar almoço. Comi um bife com purê. Almoçamos todos. E ali ticamos. Lembro de ter dormido longa e profundamente com o Mig do meu lado. Vimos desenho juntos por um tempo e peguei no sono.

 

Pili e Gil chegaram por volta das 18h com o Tom. As primeiras visitas do pequeno. 🙂

Mig ensinava o primo a colocar o irmão no colo. Emoção.

 

E as horas foram se sucedendo. E assim dias e noites. E Paco conosco. Naturalmente. Como se nunca tivesse não estado aqui.

 

  

 

* RELATO ESCRITO PELO DU PARA PRESENTEAR A EQUIPE

 

O nascimento de Francisco

São Paulo, 8 de maio de 2016

 

O show de Bethania, que assistimos em março do ano passado, foi um dos momentos mais marcantes de nossa, até então, muito recente vida em casal. A turnê de 50 anos de carreira dela, denominada “Abraçar e Agradecer”, trazia um repertório recheado de canções interpretadas por ela durante a carreira, além das canções de seu último disco de inéditas, este “Meus Quintais”. O CD, em especial, mostra uma Bethania bastante intimista e regional. Talvez tenha sido essa mistura que nos pegou na veia e na alma durante o show, por conta da nordestinidade da Mi e da caipirice do Edu. Saímos do show extasiados!

Passamos a gestação toda falando em montar uma playlist para o parto, coisa que nunca fizemos. Mas, quis o destino que na linda e emocionante chegada do Francisco, em plena manhã de domingo de dia das mães, estivesse tocando esse disco, com tudo o que ele representa

pra gente. Não poderia ser mais significativo… Francisco veio ao mundo do jeito que sonhávamos, na nossa casa, no nosso “quintal”. Ainda mais impressionante é que na hora de sua chegada tocava a faixa “Casa de Caboclo”, uma das mais belas do disco. Francisco nasceu em casa, que é mesmo uma casa de caboclo, considerando alguns dos usos do termo, como o caboclo do sertão nordestino e o caboclo do mato ou caipira… Essa é a mais legítima casa de Francisco!

E para coroar esse lindo momento, como uma graça divina ou uma conspiração cósmica, o trecho da música que tocava quando ele enfim sai todo na água e é pego e abraçado pela Mi, sendo colocado no peito dela, diz o seguinte:

Bendito

Aquele que semeia

Verdes à mão cheia

E diz à flor, FLOREIA

Estamos até agora totalmente entorpecidos e a toda hora a gente se pega chorando de alegria e emoção, quando lembramos desse momento mágico. Foi então que pensamos em presentear a equipe que nos assistiu com algo que representasse tudo o que vivemos naquele dia… E decidimos por esse CD, que certamente ficou ainda mais lindo com essa história que acabamos de relatar.

Enfim, por tudo que a música representa em nossas vidas, pelo que Francisco representa para nós desde sua concepção, pelo desejo que tínhamos de conseguir que ele chegasse via parto humanizado, por nossa história de vida e, por último, por tudo o que esse parto representava especialmente para a Mi, considerando o contexto e a forma como se deu o parto do Miguel, nós não temos outra coisa para fazer e dizer a você, senão… ABRAÇAR E AGRADECER!

Muitos abraços salgados e beijos doces nessa vida!

Francisco, Miguel, Michelle e Edu

 

São Paulo, 08 de maio de 2015.

09h45

3,575 kg

50,8 cm

36,4 PC