Sobre a ilusão de “controlar” o tempo

Sobre a ilusão de “controlar” o tempo

12 de junho de 2018 Off Por michelleprazeres
Passei na banca hoje cedo e vi a capa da “Super” sobre o tempo. Como este tem sido o tema da minha vida, parei e olhei. Busquei na rede a referência, para ver se valia a pena comprar. Comprei a revista. Li.
Algumas questões emergiram da leitura e queria compartilhar.
O dossiê opera em duas lógicas que são justamente o que temos tentado desconstruir no Desacelera SP em busca do que temos chamado de “novos contratos de tempo” na sociedade.
 
As duas questões são as seguintes:
 
1) A ideia de que a solução é a gestão o tempo.
A reportagem está toda pautada no CONTROLE do tempo. E pressupõe que controlando o seu tempo, você será MAIS PRODUTIVO(A). A gestão do tempo é, basicamente, esta lógica que afirma que se você se organizar bem, vai conseguir fazer caber no seu tempo as diversas urgências que o mundo te apresenta e que não necessariamente são prioridades pra você. E assim, supostamente, você produziria melhor. Aliás, para a gestão do tempo, até a pausa é um momento de recobrar o fôlego para a produtividade. Não necessariamente um tempo para você. Gerir o tempo é dizer muitas vezes “SIM” e fazer caber com destreza todas as escolhas no seu dia.
O discurso e a literatura sobre gestão do tempo parecem conter uma contradição interna: fazem você acreditar que deve se exercitar, ter vida social, trabalhar e se alimentar bem; mas, ao mesmo tempo, deve fazer isso tudo para ser mais produtivo! E deve fazer rapidamente, porque se você seguir esta espécie de “dieta milagrosa do tempo” você vai ter um resultado imediato.
A CONSCIÊNCIA TEMPORAL – ao contrário – diz respeito a você encontrar as suas prioridades, fazer um uso mais consciente do seu tempo e dizer mais “NÃOs”. Dizer bons ‘sins’ e fazer pausas não necessariamente conectadas com a ideia de ser alguém mais produtivo, mas de ser alguém mais SAUDÁVEL, PLENO, PRESENTE E FELIZ.
 
2) A ideia de que a solução é individual.
Ao propor que façamos a gestão do nosso tempo, a reportagem passa ao largo de todo debate que tem sido feito sobre a aceleração social do tempo como uma cultura de época, à qual estamos fatalmente submetidos e com a qual todos nós colaboramos em alguma medida.
Por isso, é necessário o debate sobre novos contratos de tempo para a sociedade. É preciso desconfiar da velocidade como algo “natural” e necessariamente positivo. Pensar quando ela faz de fato sentido. E quando podemos escolher outro caminho. É preciso desconfiar das fórmulas mágicas. Enquanto a gestão do tempo faz acreditarmos que seremos produtivos se adotarmos meia dúzia de técnicas, a consciência temporal aponta para um processo de descoberta que diz respeito ao contexto de cada um(a).
É por isso que, em geral esta suposta organização do tempo que a gestão do tempo preconiza faz – na verdade – a gente ter mais tempo para trabalhar cada vez mais. E assim, seguimos cansados, exaustos e com pressa e sem conseguir priorizar as nossas relações e as coisas que importam.
O problema é que em geral estas fórmulas, estratégias e técnicas de manejo do tempo ao mesmo tempo em que fazem recair toda a atitude da mudança para o indivíduo, não reconhecem as trajetórias, os contextos, os desejos, os ritmos e as prioridades de cada pessoa. Não necessariamente estão acompanhadas de um olhar para dentro, de autoconhecimento e autoreconhecimento. Normalmente, estão imersas na própria lógica da aceleração social e da cultura da velocidade, quando afirmam que sendo mais rápidos e organizados, vamos conseguir dar conta de tudo.
 
A despeito de trazer boas reflexões sobre a questão do tempo, lamento que a capa da ‘Super’ esteja conectada apenas com esta lógica. Não é controlando o tempo para sermos mais produtivos que vamos desacelerar e construir uma relação mais saudável com tempo. Com a gestão do tempo, vamos apenas seguir maltratando a nossa saúde mental. Precisamos de saídas lentas. E coletivas.