“Meu primeiro passo para desacelerar foi entender que eu estava correndo. E que não queria correr”

“Meu primeiro passo para desacelerar foi entender que eu estava correndo. E que não queria correr”

11 de novembro de 2016 95 Por michelleprazeres

Tenho andado por aí em diversas rodas de conversa, dialogando e aprendendo com as pessoas sobre a relação que elas construíram com o tempo. Tenho ouvido depoimentos comoventes e histórias angustiantes, que reforçam a minha percepção de que é urgente refletirmos sobre a urgência como um modus operandi da nossa sociedade atualmente; e é urgente entendermos o que de fato seria urgente em nossas vidas.

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Texto publicado pela plataforma Draft. Original disponível aqui e nos links:

"Meu primeiro passo para desacelerar foi entender que eu estava correndo. E que não queria correr" Michelle Prazeres, do…

Posted by Projeto Draft on Friday, November 11, 2016

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A coisa se dá mais ou menos assim: primeiro, acreditamos na urgência como um princípio. Na velocidade como um valor positivo. Na agilidade como uma premissa dos nossos tempos. E então acreditamos que é urgente produzir, trabalhar, ser “bem sucedidos” (financeiramente), ter um status. Acreditamos que é urgente ter. Bens, móveis, imóveis, nome, classe, reputação. E aí acreditamos que todo esse sucesso está fora de nós e que precisamos buscá-lo. E essa busca nunca de contenta com o que é suficiente; periodicamente renovam-se as “metas”, e acreditamos que precisamos sempre de mais. E que mais é sempre melhor. E corremos. Sem olhar para os lados. Especialmente, corremos sem olhar pra dentro. E aí chega uma hora em que cansamos. Ou chega uma hora em que realizamos que de nada adiantou correr.

 

Mas o que será de fato urgente?

 

Filhos e prioridades

 

Minha primeira grande reflexão sobre o uso do meu tempo começou na minha primeira gravidez, há 6 anos. Já durante a gestação, me deparei com escolhas que me faziam pensar sobre o que são as urgências e as prioridades. Tive que rever minha agenda e minha disponibilidade para questões que eu considerava centrais na minha vida, como a militância e o trabalho. Fiz escolhas. Com o nascimento do meu primeiro filho, escolhi me dedicar ao meu Doutorado que estava em curso, trabalhar como free lancer e flexibilizar meu tempo para me dedicar mais a ele e a processos que considerava prioritários, como a amamentação e a maternagem nesta primeira etapa da primeira infância.

 

Meu “guia” eram as práticas de criação com apego e de maternidade ativa. Fazia muito sentido pensar que a coisa mais importante do universo era me dedicar ao meu filho, e que a “recompensa” por esta dedicação viria na forma de uma criança mais feliz e plena de conexão e afeto.

 

Na época, criei um projeto chamado Empreendedorismo materno (http://empreendedorismomaterno.blogspot.com.br/), blog onde eu contava histórias de mães que havam flexibilizado a jornada de trabalho ou mesmo que tinha promovidos mudanças radicais na carreira para ficar mais perto de seus filhos. O projeto foi descontinuado alguns anos depois, porque não dei conta de alimentá-lo depois que escolhi trabalhar como professora.

 

Meu Doutorado estava defendido; e meu filho comendo bem, desmamado e desfraldado. Segui trabalhando como consultora, e comecei a dar aulas na faculdade. E enfrentei novos desafios relacionados à gestão do meu tempo, sempre num esforço de garantir tempo em quantidade e de qualidade para ele.

 

Percebi que para esta disponibilidade acontecer de fato (e eu estar presente e disponível de fato – e não apenas ao lado dele com o celular ou o notebook em punho resolvendo mil problemas) eu precisava estar em conexão comigo mesma e com meus limites. Não fazia sentido estar com ele e estar exausta, cansada e irritada.

 

“Lá fora” a vida me chamava. Doutora, eu precisava publicar, dar aulas, dar visibilidade para a minha pesquisa. Consultora, eu precisava fazer networking, conhecer pessoas, reforçar laços profissionais, criar novos. Gente que sou, eu precisava das minhas amigas, precisava ver gente, sair de casa, passear. Família espalhada pelo Brasil, eu precisava viajar, visitá-los, matar a saudade, proporcionar a convivência do filho com a família. Ufa! Eu precisava de tanta coisa!  Me sentia uma equilibrista de pratos, deixando muitos deles sem o devido cuidado.

 

Seu tempo é seu

 

Foi quando parei. Busquei autoconhecimento em vários níveis: emocional, afetivo, físico e racional. Respirei. E entendi que meu tempo é meu. E que dedicá-lo ao meu filho era um exercício de generosidade e afeto, mas que não deveria ser um sacrifício. Se fosse sacrificante, havia algo de errado e era hora de rever.

 

Retracei rumos. Revi metas. Baixei expectativas e entendi que tudo seria o possível (e não o ideal): a maternidade, o trabalho, as relações. Fundamentalmente, busquei me reconectar comigo mesma e entender o que era de fato importante e o que era de fato urgente e prioritário. E aprendi muito sobre olhar para a vida, entender as potencialidades e fazer escolhas priorizando o que é de fato prioridade. Algumas escolhas (consideradas sacrifícios por pessoas ao meu redor) foram necessárias. Baixar o padrão de vida, decrescer, deixar de acompanhar alguns padrões de consumo…

 

Alguns anos se passaram, e na gravidez do segundo filho, estas questões retornaram (acho que elas nunca foram, na verdade…). Mas agora de forma mais intensa. As cobranças (internas, minhas comigo mesma, mas também das pessoas e do mundo em relação a mim) relacionadas à minha disponibilidade só aumentaram. Agora, além de viver a gravidez com plenitude e de forma saudável, eu precisava estar inteira e disponível para o mais velho, que já tem demandas próprias, horários, atividades e também necessita de presença e conexão permanentes. E, claro, sem esquecer de ter um bom desempenho profissional e sem esquecer das relações afetivas. Mais pratinhos para equilibrar…

 

Pausar e respirar

 

Durante a gravidez do mais novo, busquei fazer pausas. Queria parar. De novo, me sentia angustiada e correndo demais. Me sentia priorizando coisas menos importantes. Me sentia desconectada comigo mesma e com a minha família e meus amigos. Sentia que meu tempo não era meu.

 

Foi então que comecei a buscar, em São Paulo, lugares e pessoas nesta mesma frequência. Comecei a pesquisar sobre o movimento slow e sobre o decrescimento. Comecei a pesquisar e contar histórias de pessoas que desaceleraram. Comecei a frequentar lugares e a conhecer projetos conectados com esta proposta. Comecei a buscar outras iniciativas em sinergia com esta busca.

 

E assim nasceu o Desacelera SP (http://www.desacelerasp.com.br/), iniciativa que tem como propósito promover uma vida desacelerada na metrópole, orientada pela convivência afetiva. Num primeiro momento, criamos uma espécie de guia de lugares desacelerados na cidade. Em seguida, começamos a identificar pessoas e organizações que têm desejo de promover internamente a convivência afetiva e começamos a prestar consultorias e a fazer palestras. Realizamos rodas de conversa, eventos, diálogos e reflexões que nutrem o projeto.

 

Confesso que tenho ficado espantada com o fato de a iniciativa fazer tanto sentido para as pessoas. Talvez nunca tenha achado que chegaríamos ao ponto de precisar que alguém nos dissesse que estamos correndo demais e que precisamos parar, tirar os olhos das telas, olhar de novo com olhos nos olhos, promover a convivência com afeto e estarmos juntos, de fato, humanamente.

 

Acreditem. Ouvimos relatos de pessoas que nos contam que em casa não conversam mais em família, porque cada um(a) tem seu quarto, seu celular e seu computador. De famílias que ao viajar criam regras de uso das tecnologias para que possam conviver entre si. Ouvimos relatos de gente doente, que se sente presa às urgências e sente que não é dono(a) do próprio tempo. Ouvimos histórias comoventes, mas especialmente, ouvimos histórias que nos espantam.

 

E como chegamos a este ponto? As tecnologias e a forma industrial de trabalharmos tem muita relação com isso, assim como o modo como consumimos.

 

A velocidade é um valor que vem “embutido” nos gadgets. Como uma espécie de aplicativo simbólico, um pacto com o qua, concordamos muitas vezes sem pensar. O aparelho apita, e nós estamos de prontidão para atender àquela mensagem que pode não ser urgente, mas o apito faz parecer que é. Estamos literalmente programados para atender de imediato aos apelos do celular.

 

Os horários de trabalho e os longos tempos de deslocamento na cidade também estão relacionados a esta sensação de aprisionamento. A maior parte de nós não pode escapar do trabalho como condição para a sobrevivência. E a maioria dos paulistanos demora de duas a três horas para se locomover de casa ao trabalho diariamente.

 

O consumo é outro fator de aprisionamento. Precisamos de status. Do último modelo, da roupa da estação, da viagem ao lugar mais inusitado, do melhor, do maior, do mais.

 

Só que não…

 

Nas nossas conversas e palestras, ouvimos muita gente angustiada e organizações inteiras que estão buscando estratégias de “humanização das relações”, porque se sentem aprisionados e não enxergam mais sentido na velocidade como modo de vida e nos padrões de consumo e trabalho que nós mesmos criamos.

 

Mas como desacelerar?

 

Na maior parte das nossas conversas, o que escutamos das pessoas é a pergunta: mas se a vida é assim, como eu posso desacelerar?

 

Claro que é possível se mudar para o interior ou para a praia, ou ir morar em uma ecovila ou em um co-living. Estas são possibilidades concretas, construídas por pessoas que querem mudar radicalmente seu estilo de vida e desacelerar. Para mudar de vida, você possivelmente teria que rever seus padrões de consumo e de status e decrescer. Esta é uma tendência que vem sendo praticada e estudada por muitos adeptos, e está associada a um movimento mundial.

 

No entanto, se você não quer fazer esta opção, mas se sente refém do tempo, pode promover pequenas mudanças no seu dia-a-dia para aliviar esta sensação.

 

Estas pequenas mudanças podem ser simples e vão desde um tempo no seu dia para respirar e se alongar até acordar dez minutos mais cedo e fazer um trecho do seu percurso a pé; ou ainda cortar algumas horas de tela do seu dia, diminuindo o uso de celulares, computadores e televisão. Vale também brincar (com filhos, crianças ou amigos), cozinhar a sua própria comida (e a dica aqui é apostar nos ingredientes saudáveis e orgânicos) ou plantar um jardim.

 

Importante contar que nós não queremos defender (como um ideal) um modo de vida desacelerado. Não defendemos que as pessoas abandonem seus trabalhos (e suas conquistas) e se mudem para “o mato”.

 

Desacelerar não é (apenas) isso. O que está em jogo é o uso do tempo de forma consciente e para coisas que são importantes para você. E quando você faz isso, a tendência é conhecer e respeitar mais o seu próprio ritmo e, deste modo, não se sentir refém da correria.

 

Tempo e ritmo

 

Meu primeiro passo para desacelerar foi entender que eu corria. E que não queria correr. Depois, parei para avaliar minhas prioridades. Entendi que esta correria não era o meu ritmo, mas sim, um tempo exterior a mim, que eu estava introjetando como lógica própria. Repensei meu tempo ao entender meu ritmo e as minhas necessidades. Juntei tudo isso a uma reflexão sobre propósito (para que mesmo estamos aqui?) e neste ponto, meus filhos foram fundamentais, pois eles (e todo processo que vivi junto com eles desde os partos naturais até a maternidade ativa e a criação com apego) nos fazem ver as prioridades de outra forma.

 

Em seguida, fiz escolhas. Atribui um lugar para o trabalho e para as tecnologias. E me dediquei a construir o Desacelera SP como forma de aprender diariamente com outras pessoas que também estão tentando ajustar seus ritmos para viver a relação com o tempo de forma mais consciente.

 

Não acho que todas as pessoas devam fazer escolhas como as que eu fiz. Eu mesma as revejo todos os dias. No entanto, penso que meu depoimento pode inspirar outras pessoas a olharem para seus ritmos e tempos para que reflitam se usam seu tempo de forma consciente ou se sentem-se reféns de um tempo que não é delas.

 

E talvez essa seja também a missão do Desacelera SP: reconectar as pessoas com elas mesmas e com as demais, promovendo a convivência afetiva ao entender que as pessoas e as relações são o que temos de mais importante.

 

Pausa: mais uma “obrigação moderna”?

 

Não podemos achar também que esta é mais uma carga para cada um de nós. Além de estarmos sempre correndo, com pressa, estressados, agora precisamos também criar momentos de pausa!!!! A pausa não deve ser mais uma obrigação, mais um peso. Ela só é uma pausa se for feita com leveza e certeza, conectada com suas escolhas e seu propósito de vida.

 

E é importante entender que a velocidade é inexorável. Ela está aí, como valor maior da nossa sociedade. Então, além de buscarmos saídas pessoais para ela, precisamos discutí-la como sociedade. Porque ela tem sido sinônimo de violência para muitos de nós.

 

Sem querer “pregar” um discurso ou defender um estilo de vida – e tendo como referência as pesquisas e o caminho que trilhei até aqui – eu queria apenas compartilhar algumas impressões.

 

E a talvez a principal impressão que eu tenho é a de que urgente é desurgentizar tudo. Urgente é olhar e olhar-se. Sentir e sentir-se. Urgente é ver os outros; conectar(-se). Urgente é estar aqui. É ser disponível. Inteiro. Urgente é a vida e o amor. Urgente é gente.

Pra saber mais…

 

SITES

 

Desacelera SP: http://www.desacelerasp.com.br/

 

Slow Movement: http://www.slowmovement.com/

 

Slow Food Brasil: http://www.slowfoodbrasil.com/

 

Slow Food International: http://www.slowfood.com/

 

Carl Honoré: http://www.carlhonore.com/

 

Simplicidade Voluntária: http://www.simplicidade.net/

 

LIVROS

 

Devagar. De Carl Honoré. São Paulo: Record, 2005.

 

O decrescimento: entropia, ecologia, economia. De Nicholas Georgescu-Roegen. São Paulo: Senac, 2013.

 

Pequeno tratado do decrescimento sereno. De Serge Latouche. São Paulo: Editora WMF, 2009

 

O bem-viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. De Alberto Acosta. Ed. Elefante. 2016

 

* Michelle Prazeres é jornalista e doutora em Educação. É professora universitária e trabalha como consultora. É uma das idealizadoras da iniciativa Desacelera SP. Mas sua melhor credencial é a de mãe do Miguel e do Francisco.