Você sabe o que é cronomeritocracia?

É a ideia de que todo mundo tem as mesmas 24 horas, quando sabemos que a experiência temporal das pessoas é atravessada por marcadores sociais que as definem.

Marcadores são condições que posicionam os indivíduos em grupos sociais: classe, raça, orientação sexual, gênero, região, geração.

A experiência temporal de cada pessoa está condicionada a estes marcadores.

Então, não é verdade que todo mundo tem as mesmas 24 horas. Não é verdade que basta se organizar. Não é verdade que o tempo é um recurso que pode ser gerenciado. Não é verdade que acelerar é apenas uma questão de escolha.

Acreditar nisso é cronomeritocracia.

Eu criei este conceito a partir da minha pesquisa de quase dez anos sobre a cultura da aceleração.

Juntando a pesquisa científica e a experiência à frente do DesaceleraSP, fui percebendo que a agenda do cuidado, do bem-estar e da saúde mental está elitizada, fragmentada e individualizada.

Individualizada

Porque o discurso mais comum dá conta de que o cuidado, o bem-estar e a saúde mental são escolhas de cada pessoa. Quando entendemos a pressa como aspecto cultural e a velocidade como condição, entendemos que não é bem assim. E que não é todo mundo que pode escolher desacelerar.

Fragmentada

Porque o discurso mais comum é atribuir aos indivíduos a responsabilidade pela desaceleração. E aí, cada um(a) fica cuidando do “seu quadrado” e a gente não entende que a velocidade é um aspecto cultural que nos envolve, criando um ambiente apressado que nos leva a agir no automático. E que pode e deve ser transformado.

E etilizada

Porque em um contexto desigual como o nosso, quem pode desacelerar, se desacelerar for uma escolha? É por isso que eu afirmo que não se trata de escolha individual, mas de saída sistêmica. Chegamos no limite individual e planetário e o desacelerar caminha de mãos dadas com o bem viver como uma nova forma de estar no mundo na qual acreditamos e que buscamos construir cotidianamente.

O Instituto Desacelera nasceu desta compreensão, de que precisamos democratizar o cuidado, o bem-estar e a saúde mental.

Saídas individuais possíveis são bem-vindas quando estes indivíduos que desfrutam de privilégio temporal fazem uso destes para assumir sua responsabilidade e não reproduzir estruturas de desigualdade de tempo. Agindo, as pessoas começam a transformar os ambientes, os grupos e a cultura da velocidade vai perdendo tração.