Haveria uma “agilidade reflexiva”? Será que é possível ser ágil sem pressa?
Estes dias, vivi uma situação desafiadora do cotidiano diante da qual se revelou a necessidade de tomar uma atitude verdadeiramente urgente, uma ação prática, uma iniciativa firme. E a partir desta situação, eu fiquei com muitas perguntas. Me questionando se – neste mundo em que tudo é urgente – perdemos a capacidade reflexiva e perdemos, inclusive, a condição de entender o que é de fato urgente.
Depois, fiquei pensando como é importante entender de verdade o que é o desacelerar. Diante de uma situação realmente urgente, colocar-se com lentidão é tão inapropriado quanto se colocar com pressa diante de tudo.
E esse mundo embolou tudo de um jeito tão embolado, que a gente coloca o lento de um lado, o veloz do outro, se agarra nas nossas certezas e vai.
Mas desacelerar não é ser devagar. É entender quando a velocidade faz sentido e quando ela não faz, mas estamos correndo, porque estamos no automático, ininterrupto, anestésico. E, acrescentaria, é perceber quando o que está diante de nós é realmente urgente e, neste caso, a velocidade pode fazer sentido.
Desacelerar é sair do automático, ininterrupto, anestésico e conectar-se com o tempo da vida, da nossa humanidade. O tempo que nos faz ser gente.
A partir desta constatação, fiquei me perguntando o que pode nutrir uma “agilidade reflexiva”: uma ação prática que possa responder com prontidão a uma situação em que existe de fato urgência, mas que não precisamos tomar decisão com pressa.
E fiquei pensando que pressa e agilidade podem ser posturas diferentes. A pressa é essa lógica de que tudo precisa ser resolvido rapidamente, sem pensar, tudo é pra ontem, tudo precisa ser feito, tudo precisa caber, tudo pode ser replicado, tudo precisa ser útil, gerar resultado, portanto, podem existir fórmulas mágicas que resolvam tudo. Enfim, a pressa é a temporalidade prática do automático, anestésico, ininterrupto do “só vai”.
Mas pensar que pode haver uma “agilidade reflexiva” pode ser um caminho de ativação da velocidade quando ela faz sentido. Parar, olhar, prestar atenção, mapear, entender o contexto, e tomar decisão de forma ágil. Às vezes não precisa “resolver” tudo de uma vez. A agilidade pode morar no próximo passo elegante, expressão que aprendi outro dia com uma amiga querida.
Fiquei pensando nesta diferença entre pressa e agilidade, para ver se consigo fomentar uma reflexão sobre o fato de que perdemos a capacidade de detectar o que é de fato urgente. E isso é um sintoma da aceleração social do tempo, mas é também o projeto que tem nos conduzido até aqui. A confusão e o excesso fazem parte dos “motores” da aceleração. E esta vai nos afastando da nossa condição de gente.
Mas será que dá para ser ágil sem ter pressa?
O tempo é, ao mesmo tempo, tão privado e tão regulador do coletivo. Por isso que a compressão do tempo que vivemos na era da aceleração nos coloca diante de tantas armadilhas.
E, vestidos do espírito de época da produtividade e da competição, do hiperindividualismo e das soluções prontas, caímos nestas armadilhas, sufocando todo o espaço para a complexidade e a reflexividade que este debate demanda.
Toda minha pesquisa é para mostrar que vivemos uma epidemia de pressa que, por sua vez, gera efeitos nefastos em vários campos da vida, afetados pela correria e pela perda gradual de nossa humanidade e de nossa conexão com o tempo da vida e da natureza.
Mas ao pensar nesta situação específica, entendi que precisamos pensar que velocidade nem sempre é pressa.
Por outro lado, quando a pressa é a regra, quando vivemos no automático, anestésico, ininterrupto, não temos a menor chance de pensar quando a velocidade faz sentido. E daí, como a velocidade virou regra e violência, ela deixou de ser uma escolha possível. Virou compulsória. Virou compulsão.
Diante disso, quando a velocidade é regra e a afirmamos como escolha (por exemplo, quando ouvimos que “todo mundo tem as mesmas 24 horas e basta de organizar), estamos praticando velocidade como violência. Quando achamos que o futuro é uma flecha que aponta para frente, como nos ensina Krenak, e que só existe futuro com crescimento, desenvolvimento e progresso, estamos praticando velocidade como violência em mais larga escala. Poderia aqui enumerar muitos sintomas da velocidade como violência no cotidiano, mas esse é outro texto.
Fato é que estamos tão doentes de velocidade, que quando existe mesmo uma urgência, apressados, nós perdemos a condição de avaliar. E, portanto, de ter a chance de atender esta urgência no tempo da prontidão. De novo, a velocidade aqui, é violenta.
Nem sei se quero chegar a uma grande conclusão com tudo isso.
Só achei que fazia sentido compartilhar que quando tudo é urgente, nada é urgente. Quando tudo é urgente, perdemos a condição de entender que urgente é gente.
É preciso desacelerar, inclusive para termos a chance de entender a urgência diante da qual a agilidade faz sentido. Quero acreditar que, quando desaceleramos e voltamos a ser gente, tendemos a construir ambientes mais humanos e cooperativos, onde decisões mais ágeis podem ser tomadas com mais segurança e respeito à vida.
* Reflexões a partir do terceiro Módulo do Programa Artistas do Invisível.