“Passou um mês, mas parece que foram sete anos”
Não é apenas uma sensação individual, uma percepção. Entenda por que a aceleração social do tempo é uma realidade cultural e coletiva.
Escutei a frase que dá título a este artigo recentemente, em uma atividade de reflexão sobre cuidado, bem-estar e saúde mental que facilitei.
E é importante entender que esta não é apenas uma sensação individual.
Ainda que se manifeste também sob a forma de percepção individual temporal acelerada e aceleração do ritmo de vida de cada pessoa, a aceleração social do tempo é uma realidade cultural e coletiva.
O conceito de aceleração social do tempo foi desenvolvido pelo sociólogo alemão Hartmut Rosa para dar nome ao fenômeno que acontece em pelo menos três âmbitos: a aceleração técnica, das transformações sociais e do ritmo de vida.
As mudanças que antes levaram séculos para acontecer estão acontecendo em décadas. As que levavam décadas, em anos. Ou seja: estamos vivendo mais coisas em uma mesma “unidade de tempo”.
Depois da pandemia, ao naturalizar completamente o multitarefa, além de fazer mais coisas em uma mesma unidade de tempo, achamos razoável fazer mais de uma coisa em uma mesma unidade de tempo. Ou seja: aceleramos mais!
Mesmo voltando a fazer algumas atividades ao presencial, não voltamos à condição de presença plena anterior e nossa relação com os recursos tecnológicos nos faz operar em regime 24/7 (24 horas por dia, 7 dias por semana): ao adicionar uma “camada tecnológica” a tudo que fazemos, aceleramos ainda mais.
No Brasil, 43% da população sente que vive a vida na velocidade x2 (o dado é de 2023 e eu aposto que se fizerem essa pesquisa hoje, esse número aumenta muito).
Ao fazermos mais coisas em uma mesma unidade de tempo, muitas coisas ao mesmo tempo e ainda fazermos tudo sem parar (24/7, por conta das tecnologias) não dá para dizer que a exaustão e a percepção temporal de que vivemos sete anos em um mês é apenas uma sensação.
Vale observar que “unidade de tempo”, “percepção temporal” e “aceleração social” são noções forjadas a partir de uma concepção específica de tempo: o tempo cronológico ocidental, ocidentalizante e ocidentalizado: esse que regula as vidas das pessoas no cotidiano e que, portanto, por mais que tenha componentes de escolha privada, é profundamente coletivo.
Existem outras concepções de tempo como, por exemplo, aquelas cultivadas por povos tradicionais, indígenas e africanos. Noções que integram a ideia de que o tempo não aponta apenas para a frente, que ele é o tecido da nossa vida (como diria Antonio Candido), que nos une enquanto convivas a todos os outros elementos da natureza e que, portanto, deve ser desfrutado e proporcionar que construamos afetos.
É por isso que desacelerar não é ser devagar, mas sim questionar este modo acelerado que justifica e é justificado por uma noção de progresso, desenvolvimento e avanço que, por sua vez, está na origem da ideia de que podemos (e devemos) controlar o tempo e manejá-lo de forma a obter de cada duração o melhor resultado possível. Krenak afirma que esta ideia que fazemos do tempo, como flecha que aponta apenas para frente, está na origem desta nossa vida acelerada. E que o futuro é ancestral.
Enquanto operarmos no tempo cronológico, cronometrado, controlado e vivermos no ritmo ininterrupto, anestésico e automático, seguiremos acelerados e contribuindo para reproduzir a aceleração como cultura e único caminho possível. E se, diante disso, continuarmos prescrevendo cuidado sem construir coletivamente condições para a desaceleração, estaremos reforçando desigualdades. Por isso, diante da sensação de que sete anos se passaram em um mês, em vez de tentar solucionar a questão olhando apenas para esta pessoa e o que ela pode fazer com sua própria saúde e cuidado, o melhor a fazer é começar a identificar as causas desta sensação em diversos âmbitos: individual, interpessoal, cultural, social e sistêmico. E cuidar em todos eles.
Algumas referências (livros) deste texto:
Sociedade do cansaço, de Byung-Chul Han
24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono, de Jonathan Crary
Aceleração: A transformação das estruturas temporais na modernidade, de Hartmut Rosa
A Vida Não É Útil e Futuro Ancestral, de Ailton Krenak