Você está gastando seu tempo com o que realmente importa?
Entenda por que esta pergunta, feita na propaganda de um banco, pode ter feito você sentir raiva.
Uma recente campanha de um banco pergunta aos brasileiros se estamos gastando nosso tempo com o que realmente importa. Por que sentimos raiva ou frustração quando lemos algo assim? Vou tentar explicar a partir da minha pesquisa sobre aceleração social do tempo e cronomeritocracia.
Primeiro ponto: quando a aceleração é condição, não é verdade que podemos escolher o que fazemos com nosso tempo.
Em contextos desiguais, pescrever tempo livre é violento.
Em contextos desiguais, não faz o menor sentido responsabilizar cada pessoa pelas suas supostas escolhas de tempo. Isso, porque se compreendemos que vivemos em um mundo em que a aceleração é condição e a velocidade é violência, não faz sentido pensar que todos tempos as mesmas experiências de tempo (isso nos leva a meu segundo ponto, sobre cronomeritocracia).
É por isso que o “tempo livre” é percebido como (e de fato se torna um) privilégio e gera frustração e raiva (por parte de quem “não dá conta”) e culpa (por parte de quem consegue ter). Então, se você sentiu raiva ou frustração quando viu essa propaganda, não se preocupe. Você não está só.
Quando olhamos para o tempo livre em uma perspectiva coletiva, entendemos que só haverá tempo livre se mudarmos as estruturas para que todas as pessoas acessem condições de desfrutá-lo.
Enquanto isso não acontece, precisamos mudar mentes, culturas e relações para começar a construir essa transformação.
O paradoxo é: a solução não é individual, e isso não quer dizer que não devemos nos cuidar.
É claro que é importante olhar para sua realidade e perceber se e quando é possível cultivar espaços de respiro em meio à rotina da vida corrida. Mas em contextos acelerados e desiguais, isso não vai resolver o problema e pode ser que, ao tentar “se organizar”, você não consiga e isso gere frustração. Se isso acontecer, se acolha e adapte suas escolhas ao possível, sem se cobrar e entendendo o que está a eu alcance no âmbito coletivo e o que não está, porque muitas vezes se impõe por circunstâncias e necessidades da vida.
Segundo ponto: não temos as mesmas 24 horas.
Cronomeritocracia é a ideia de que todo mundo tem as mesmas 24 horas, quando sabemos que a experiência temporal das pessoas é atravessada por marcadores sociais que as definem.
Marcadores são condições que posicionam os indivíduos em grupos sociais: classe, raça, orientação sexual, gênero, região, geração.
A experiência temporal de cada pessoa está condicionada a estes marcadores.
Então, não é verdade que todo mundo tem as mesmas 24 horas. Não é verdade que basta se organizar. Não é verdade que o tempo é um recurso que pode ser gerenciado. Não é verdade que acelerar é apenas uma questão de escolha.
Acreditar nisso é cronomeritocracia.
A ideia de que as pessoas não conseguem priorizar o autocuidado é violenta e não considera que temos experiências temporais atravessadas por marcadores sociais de desigualdade.
Terceiro ponto: tempo não é recurso. E a ideia de gestão do tempo é uma tentativa de transformá-lo nisso.
Escrevi aqui sobre a diferença entre gestão do tempo e consciência temporal e sobre nossas concepções colonizadas sobre o tempo.
O que mostram os dados da pesquisa
A campanha traz números impactantes sobre como o brasileiro desfruta seu tempo (como vimos, a própria ideia de que nós podemos usar nosso tempo para o que importa é equivocada).
O levantamento mostra que as pessoas no Brasil passam 7% da vida em deslocamento, 5% em TV e rádio e menos de 2% em atividades ao ar livre. Este texto reproduz o conteúdo original aqui.
A pesquisa revela que, em média, os brasileiros têm cerca de um quarto do seu tempo livre (26%), ou 15 anos. Mulheres têm ainda menos tempo e seguem sobrecarregadas com jornada dupla: gastam mais tempo do que os homens com a limpeza da casa (49%), trabalhos domésticos (29%) e cuidado com os filhos (26%). As telas (celular, televisão e jogos eletrônicos) ocupam 12%, o equivalente a 7 anos. Atividades ligadas a esporte ou bem-estar ficam com apenas 4% do tempo livre da população.
Em resumo, afirma-se que as pessoas não conseguem priorizar o autocuidado durante o pouco tempo livre de que dispõem. Os participantes disseram que, se tivessem mais tempo livre, gostariam de utilizá-lo com viagens (42%), dormindo (36%), TV (27%), esportes e exercícios (26%), descanso e ócio (23%).
A metodologia do estudo
Estudo com metodologia híbrida de coleta, online e presencialmente, realizado pela Ipsos a pedido do Nubank em todo Brasil, entre 17/07/2024 e 23/07/2024. Foram realizadas 1.500 entrevistas entre homens e mulheres, acima de 18 anos, de todas as classes sociais (ABCDE) nas cinco regiões brasileiras (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Margem de erro de 2,5 p.p.
O estudo listou 30 atividades cotidianas, classificadas entre “tempo livre” e “tempo ocupado”, segundo critérios previamente definidos, e perguntou aos participantes quanto tempo gastam (horas/minutos), para todas as atividades diárias, semanais ou mensais. As respostas foram individuais e permitiram sobreposição de atividades, podendo ocorrer simultaneamente.
A partir disso, calculou-se o tempo médio diário gasto (em minutos) pelos brasileiros em cada atividade e em seguida, os dados foram expandidos para representar o período de um ano médio de vida dos brasileiros. Para que os dados representem então o cálculo médio em anos da vida adulta dos brasileiros, foram considerados os dados de expectativa de vida do brasileiro (IBGE) na sua vida adulta, dos 18 aos 76 anos, totalizando 58 anos adultos, os quais foram multiplicados pelo ano médio calculado com os dados do levantamento.
Veja a pesquisa na íntegra.
Assista ao vídeo da propaganda: