Entrevista ao ICL News sobre o fim da escala 6×1
Trabalhadores defendem que PEC do fim da jornada 6×1 fortalece laços com a família
Atual jornada de trabalho prejudica convívio familiar e contribui para a deterioração da saúde mental de trabalhadores. Matéria original publicada aqui.
Nem todo mundo tem “as mesmas 24 horas do dia”
A ideia de que todos têm as mesmas 24 horas por dia é falaciosa. A pesquisadora Michelle Prazeres, fundadora do Instituto Desacelera, explica que “em contextos desiguais, a experiência temporal das pessoas é atravessada por marcadores sociais de desigualdades”. “Não dá para a gente dizer que todo mundo tem as mesmas 24 horas. O que nos faz acreditar nisso é um discurso neoliberal de que basta se organizar, e não é verdade, porque, se bastasse se organizar, as pessoas conseguiriam priorizar o que elas acham que é importante para elas”, completa.
A impossibilidade de priorização do que é importante é a campeã dos problemas apontados por trabalhadores em escala 6×1 ouvidos pela reportagem. “Sempre tive que me sacrificar para ter uma vida social. É cansativo. Perdi alguns eventos familiares por trabalhar nessa escala”, conta a agente de viagens Liana Aurilio*, de 36 anos. “Hoje, eu só tenho o domingo para lavar roupa, arrumar minha casa, estar com a minha família e amigos. Então, fica bem difícil abraçar o mundo.”
Descanso não é luxo, é direito
“A gente tem que promover o descanso, a convivência familiar, a saúde mental e o cuidado das pessoas”, diz a pesquisadora Michelle Prazeres. É inegável que o cuidado com as pessoas é um princípio garantido pela Constituição. Logo em suas primeiras linhas, a Carta afirma que um dos fundamentos da República é “a dignidade da pessoa humana” (Art. 1º, Inciso III). O mesmo texto diz que “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (Art. 193).
“Descanso não é luxo, privilégio ou premiação. E descanso não é a pausa. Não é o momento em que você recobra o fôlego para trabalhar melhor”, completa.
Não era para “trabalhar melhor” que Leilane Reis, de 40 anos, gostaria de ter tido mais tempo com o filho, hoje com 24 anos. A garçonete sente-se culpada por não ter percebido quando o jovem, então com 13 anos, começou a usar drogas. “Eu passava o dia todo fora, chegava de madrugada. Quando eu vi, já era tarde demais”, conta. “Hoje, tenho um filho dependente químico, e nem sei como isso aconteceu, porque eu não estava presente para acompanhar.”
Leilane, que chega a trabalhar 12 horas seguidas em um restaurante, não tinha opção. “Sinto culpa, mas eu trabalhava para colocar comida na mesa.”
Também garçom, Gabriel Dantas*, de 29 anos, passava mais tempo trabalhando do que em casa durante a gestação da esposa — sua primeira filha tem dois meses. “Eu entrava às 11h e saía às 15h, voltava às 19h e ficava até meia-noite”. Essas quatro horas de intervalo pouco ajudavam: “Como morava longe, ficava o dia todo no serviço”, explica.
Nesse período, a relação com a esposa piorou. “A gente brigava muito por conta disso. Ela falava que eu não dava atenção.” Gabriel acabou sendo mandado embora do emprego por, segundo ele, ter precisado se ausentar para acompanhar a esposa em consultas médicas. Apesar da dificuldade do desemprego, a convivência familiar melhorou a partir do desligamento do trabalho: “dou muito mais atenção [à família] e fico com minha filha”.