Disponível 24/7? Saiba como estar conectado o tempo todo afeta sua vida

Disponível 24/7? Saiba como estar conectado o tempo todo afeta sua vida

2 de agosto de 2024 Off Por michelleprazeres

Entrevista concedida ao Portal Itatiaia sobre o ‘Dia da Consciência sobre o Tempo’. Original publicada aqui.

Qual é a primeira coisa que você faz ao acordar? Aposto que respondeu – olho o celular. Para a maior parte de nós é assim, mal despertamos e já mergulhamos nas demandas – desligar o despertador, olhar as notificações, responder mensagens, colocar o dia para andar.

Os dias já começam, terminam e se sucedem acelerados. É por isso que hoje, 24 de julho, o Instituto Desacelera e seus parceiros fazem o Dia da Consciência sobre o Tempo. A diretora do Instituto, Michelle Prazeres, explica que a data faz alusão a uma expressão que ficou famosa – estou disponível 24/7.

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O 24/7 é o tempo ininterrupto, o tempo que não dá pausa. É o tempo da conveniência, da loja aberta 24h e sete dias por semana. Só que essa lógica do 24/7 se espraiou para outros cantos da vida, normalizamos a ideia de não ter intervalo, não ter pausa, principalmente nas grandes cidades”, explica Michelle.

Quais são os possíveis efeitos disso? Conversamos com três especialistas para mapear como essa aceleração afeta nossa vida e nossa saúde.

Paradoxo

“As pessoas acham que produzindo mais elas vão viver melhor. Que fazendo mais atividades serão mais felizes, terão mais qualidade de vida. Mas não, está acontecendo o contrário”, diz a consultora de carreiras e terapeuta ocupacional Cecília Xavier. Para ela, estamos vivendo uma epidemia do excesso de velocidade, em todas as carreiras e também entre empreendedores.

Querer a produtividade a todo custo, 24h por dia, é um pensamento comum do nosso tempo e que acende um alerta: “o que torna uma atividade saudável ou adoecedora?”, pergunta Cecília. “Todas têm potencial para as duas coisas. Hoje, nosso uso do tempo não tem vazio, não tem silêncio, não tem o parar sem fazer nada, não temos contemplação. Todas as atividades têm que servir para alguma coisa, e isso é adoecedor. As pessoas estão se autoexplorando até o colapso”, completa.

Gestão do tempo x Consciência sobre o tempo

Michelle Prazeres, do Instituto Desacelera, faz uma diferenciação entre dois termos – a gestão do tempo e a consciência sobre o tempo.

“Quando falo em gestão, eu entendo o tempo como um recurso e trago para o campo individual, ou seja, algo que sou capaz de gerenciar, que se eu me organizar bem eu consigo dizer todos os ‘sims’ que gostariam que eu dissesse”, explica. “Já quando falo em consciência, eu levo para o coletivo. É entender que o tempo é uma experiência social e que apesar de todos nós termos dias de 24 horas, elas são experimentadas de forma diferente na vida de cada um”, complementa.

Para dar um exemplo bastante estereotipado e caricato, o tempo de uma mulher, mãe, que cuida de idosos na família e leva 3h por dia no transporte público para chegar ao trabalho é vivido e sentido de forma bastante diferente do tempo de uma mulher, mãe, que tem funcionários para cuidar dos filhos e da casa e se desloca de carro com motorista.

“É o que chamamos de cronomeritocracia, aplicar a ideia de meritocracia à questão do tempo, achar que todo mundo tem o mesmo tempo e que pode escolher fazer o que quiser com seu tempo, basta querer”, explica Michelle, que afirma que é preciso criar condições sociais, organizacionais, políticas para que todos tenham acesso ao descanso, ao cuidado além de se dedicar ao trabalho.

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Trabalho

Apesar de não ser a única atividade em que a aceleração e o excesso de carga são possíveis, é no trabalho que essas questões são mais visíveis. Clara Linhares, professora associada da Fundação Dom Cabral, conecta a maior consciência sobre isso à pandemia da Covid-19, quando muitas pessoas entenderam, com o confinamento, que trabalhar de 12h a 15h por dia não era exatamente o que as preenchia ou fazia brilhar os olhos.

Se antes era sinal de comprometimento fazer horas-extras ou se dedicar ao trabalho fora do horário, hoje isso já começa a ser questionado – e vale para todos os tipos de trabalho, do cargo mais baixo a um CEO.

“Isso foi trazendo desgastes emocionais muito fortes, um índice de exaustão no trabalho muito forte, o chamado burnout. Muitas pessoas atribuíam às preocupações diárias, sem se importar com a carga de trabalho, mas é claro que está ligado, principalmente quando há longas horas de trabalho e pouca flexibilidade para as demais atividades da vida”, explica Clara Linhares.

Além dele, outro sinal se reforçou – os funcionários que decidem pedir demissão, principalmente aqueles entre 30 e 43 anos, que estão no auge de suas carreiras, buscando mais qualidade de vida e flexibilidade no uso do próprio tempo, mesmo que signifique salários menores ou até mesmo deixar de trabalhar.

Além do burnout, já citado, as entrevistadas apontam outros efeitos, entre eles ter a sensação de que o tempo está passando muito rápido. Michelle Prazeres também cita a ansiedade, a depressão e o stress, que podem inclusive evoluir para forma crônicas.

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Mudança em curso

É possível sair dessa lógica e evitar essas consequências para a saúde? Para Michelle Prazeres, a transformação já está acontecendo, principalmente em relação ao trabalho. “É uma mudança coletiva, uma mudança cultural, de mentalidade, que vai atravessando o tempo e não acontece de forma instantânea, explica”. Ela reforça que a ação individual, apenas, não muda esse paradigma, mas contribui para sensibilizar mais pessoas e organizações para o tema.

Michelle aponta, também, experiências que podem nos trazer outros olhares para o tempo, como as formas de vida dos povos indígenas e originários e as experiências com modos de vidas comunitários.

Desacelerar e desfrutar

fruição é um dos caminhos apontados por Cecília Xavier para mudar a lógica. “As pessoas não sabem mais desfrutar do tempo livre. Isso se perde em algum momento, inclusive na infância. As crianças não podem ser crianças, não têm o brincar livre. Uma forma de começar a mudar essa lógica é tentar fazer as atividades que você já faz de forma um pouco diferente. É fazer em um ritmo mais lento, prestar mais atenção no que está fazendo, evitar multitarefas, tentar colocar mais sentido e envolver emoções nas atividades. Isso nos ajuda a viver o tempo e a atividade de outra forma”, explica.

Outra ação importante é buscar ter tempo livre de qualidade, que Cecília define como aquele que te restaura, no qual você não está procurando um alto desempenho, um resultado bonito e apreciável pelo outro. É um tempo apenas para fazer o que quiser, para contemplar, para ver a natureza, para descansar.

Assim, podemos olhar para nossas atividades de forma mais compassiva e atenciosa, tendo também mais energia para passar por todas as etapas delas e concluir o que nos propomos a fazer.

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Cuidado e reconhecimento

No ambiente de trabalho, Clara Linhares aponta a importância de estarmos sensibilizados para o aspecto humano e nos lembrarmos de que os resultados são gerados por pessoas e para pessoas.

“Antigamente o salário era o primeiro item procurado em uma empresa, segundo pesquisas. Hoje, está em sexto lugar. As pessoas procuram um bom líder, segurança psicológica, autonomia, entre outros”, explica. Por isso, é preciso foco nas pessoas – cuidar, acolher, entender, ouvir, flexibilizar, valorizar, reconhecer, tudo isso é muito importante para reter funcionários e evitar o turnover.

Esse desafio recai muito sobre o líder, que deve ser alguém que “goste de pessoas”. Clara recomenda que o líder seja uma pessoa respeitosa com todos, que valorize, reconheça e escute o funcionário. “Um líder que a pessoa respeita, que tem reconhecimento e valorização, vale muito”, diz a professora.

Com isso, o líder tem mais uma responsabilidade – a de cuidar antes de si para poder cuidar bem do time. “Essa pessoa precisa se trabalhar, dar atenção para si, ser gentil consigo, entrar em contato com as próprias necessidades e sentimentos. Ver como é bom alguém dizer ‘por você eu faço isso’, ver alguém ‘jogar junto’. É o que se convencionou chamar de autoconhecimento. Falo isso com todos os gestores – cuide de você, para assim você poder cuidar dos outros”, conclui Linhares.