Comunicação, cooperação e desenvolvimento: um mapa de aprendizados a partir de iniciativas no Brasil
Artigo meu, originalmente publicado no site do PAD, fruto da publicação “Comunicação para direitos, cooperação, sustentabilidade e desenvolvimento“.
O processo de realização das oficinas “Comunicação para direitos, cooperação, sustentabilidade e desenvolvimento”, realizado pelo PAD em 2013, tinha como objetivo central articular as organizações em torno dos seus aprendizados em comunicação. Mais do que listar ações já desenvolvidas, a intenção era se chegar a um mapa que pudesse ser compartilhado.
O processo foi registrado em uma publicação, cujas versões em inglês e português estão disponíveis aqui.
Em um primeiro momento, pode-se dizer que algumas décadas de experimentação em comunicação apresentaram grandes desafios paras as organizações. Tais desafios parecem estar relacionados, primeiramente, a uma compreensão deste fazer e de seus objetivos, que estariam relacionados a um contexto histórico e político; segundo, a seus possíveis instrumentos e ferramentas; e, por fim, a seus possíveis conteúdos, bem como linguagens, abrangência e públicos.
Antes de dar início ao tratamento mais aprofundado de cada um destes desafios, lições ou aprendizados, faz-se necessário entender em que contexto se faz comunicação dentro destas organizações no Brasil (e é possível dizer que estas condições se estendem a boa parte das organizações da sociedade civil do campo democrático-popular).
A maior parte destas organizações sai da clandestinidade para a visibilidade sem muito tempo para construir uma mediação. A comunicação, antes vista como um instrumento de articulação interna e feita em condições muitas vezes secreta, passa a ser uma ferramenta necessária para que estas organizações se projetem para a sociedade e construam a sua legitimidade política, com base em estratégias finas de visibilidade.
Em pouco tempo, o mundo se encontra em plena “Era digital”, em que a comunicação é uma cultura de época e seus instrumentos são cotidianamente reciclados.
Em paralelo a isso, vivem-se tempos desafiadores no Brasil, com um crescimento econômico baseado em uma noção de desenvolvimento que coloca o país em condição de player internacional. Esta posição do Brasil no mundo traz uma necessidade de renovação e foco para as organizações da sociedade civil e a cooperação internacional também revê a sua entrada no país. A comunicação é uma das áreas que sofre com a ausência de recursos e, ao mesmo tempo, a pressão é para que as ferramentas sejam cada vez mais eficazes, rápidas e modernas, de modo a se acompanhar as tendências do mercado de tecnologias.
É possível dizer, então, que as organizações “saltam” da clandestinidade à necessidade da visibilidade. Muitas delas, então, optam por uma ação experimental no que diz respeito à comunicação. E assim, surgem os primeiros “setores de comunicação” ou profissionais jornalistas dedicados exclusivamente a fazer a comunicação das organizações funcionar. Nas organizações de pequeno porte, esta experimentação se dá muitas vezes sem qualquer estrutura.
Com o passar dos anos, os planos de comunicação e planejamentos estratégicos neste setor começam a fazer mais sentido.
E é nesta esteira que é possível elencar os principais aprendizados listados pelas organizações que participaram das oficinas de comunicação do PAD.
A primeira grande lição colocada pelas organizações diz respeito à visão sobre a comunicação, que se reflete na ação comunicativa. Em algumas delas, a comunicação é um instrumento de divulgação do trabalho político. Para outras, a visão mais sistêmica ou orgânica da comunicação é condição para o fazer político. É importante que a comunicação seja compreendida em todas as suas dimensões, mas sabe-se que, para cada ação política, há uma ação comunicativa possível. Nesse sentido, a comunicação não é apenas instrumento ou apenas política. Ela deve ser considerada em todas as suas possibilidades e planejada de acordo com o objetivo da ação política.
No entanto, algumas organizações ponderam que a comunicação não deve ser vista como um plano ou um produto, mas sim, em sua totalidade, inclusive enquanto contexto político, tendo em vista que, no Brasil, a comunicação – enquanto setor econômico e político – é caracterizada por um cenário de concentração e desregulamentação.
É o contexto de concentração, por exemplo, que justifica o fato de a comunicação dessas organizações ser, basicamente, baseada em meios alternativos de expressão. Ainda que reconheçam os limites e dificuldades destes meios, as organizações têm neles seus veículos de apoio na construção de um ambiente favorável à sua ação política. E, em paralelo, travam a luta pela democratização da comunicação.
Sobre a relação com a mídia convencional, as organizações apontam para os seus limites, mas também para “brechas”, que se constituem em momentos de diálogo possível, seja em função de elementos da conjuntura, seja por um trabalho perene, de estabelecimento de um canal de referência no tema ou causa daquela organização para jornalistas de meios de comunicação “tradicionais”.
A leitura de contexto expõe outra lição, que se traduz em uma controvérsia. Enquanto algumas organizações buscam planejar a comunicação, de modo que ela possa estar nos seus planejamentos como uma questão orgânica, grande parte delas aponta que a experimentação foi a chave para a sucesso da ação comunicativa. Ou seja: é preciso planejar, mas é preciso ter flexibilidade para permitir que a comunicação se realize, muitas vezes, em diálogo (e de acordo com a recepção) com o público e de moído que possa se adaptar à própria ação política (que é passível de sofrer contratempos).
Além da experimentação, outro elemento-chave foi apontado pelas organizações, como fator de sucesso: a ação em rede. As ações mais bem sucedidas são aquelas realizadas em articulação com outras organizações, como campanhas, advocacy, etc. A ação em rede parece ser também a melhor estratégia quando o cenário é de escassez de recursos: a comunicação em rede permite que se juntem os recursos disponíveis para uma ação coletiva mais eficaz.
A leitura ampla de contexto da conjuntura e da comunicação ainda municia as organizações a pensarem em outra lição: a de que o engajamento do público requer um “gancho” com a conjuntura e a realidade. Parece ser mais bem sucedida a ação de comunicação que dialoga com agilidade com o que está se passando e consegue, tendo como estofo a conjuntura, pautar as suas causas, ainda que estas sejam históricas.
As organizações apontam que é importante ter instrumentos de comunicação institucional, que apoiem a construção da legitimidade e da transparência da organização. No entanto, as ações de comunicação mais bem sucedidas parecem ser aquelas que deixam de falar da instituição para promover uma causa ou bandeira e, deste modo, são mais agregadoras.
Parecem ser mais bem sucedidas também as ações de comunicação que inovam na linguagem, com criatividade e até se aproximando do que seria uma “comunicação mercadológica”. Sabe-se, no entanto, que, justamente por conta de enfrentar problemas relacionados a recursos financeiros, a comunicação destas organizações não consegue fazer frente ao ritmo da comunicação mercadológica. Exatamente por isso, a experimentação e a criatividade tem que ser suas maiores ferramentas.
Por este elemento, é possível detectar entre as organizações uma convivência entre as “Velhas Mídias” (publicações, revistas, jornais, etc) e as “Novas Mídias” (audiovisual, redes sociais, etc). Se por um lado, estas novas mídias de alguma forma “democratizam” o acesso ao poder de fala, por outro, trazem novos desafios relacionados à abrangência e ao potencial comunicativo das organizações, bem como desafios relacionados ao público e à linguagem. Parece ser necessário um investimento mínimo para garantir a presença, por exemplo, nas redes sociais. Mas existem muitas questões relacionadas à periodicidade e à capacidade de manutenção destas ferramentas, no ritmo frenético que a comunicação contemporânea exige.
Ao mesmo tempo em que a comunicação parece demandar ferramentas ágeis e eficazes e diálogo com a conjuntura, ela se mostra um modo de ação política para algumas organizações. Esta complexidade dificulta que algumas organizações estabeleçam para a comunicação um foco e que consigam traduzir esta ênfase em planos de ação com resultados concretos a serem atingidos.
A comunicação parece cumprir múltiplos papéis: de construção de imagem e legitimidade; de apoio à ação em rede; de diálogo com a sociedade como um todo em função das questões apresentadas pela conjuntura.
A multidimensionalidade e a complexidade da comunicação vistas a partir de todas estas possibilidades de ação (e expressa nas iniciativas que registramos na publicação do PAD), combinada com a falta de recursos destinada a elas (relatada por todas as organizações que participaram das oficinas) parecem constituir um dos desafios a serem enfrentados pelo diálogo entre organizações e cooperantes.
* Michelle Prazeres é jornalista, Doutora em Educação e assessora de comunicação do PAD