Como eu trabalho

Como eu trabalho

13 de abril de 2017 106 Por michelleprazeres

Tive o prazer e a honra de compartilhar com o José Nunes De Cerqueira Neto a minha rotina para o “Como eu trabalho”. O projeto conta histórias de vida e trabalho das pessoas, buscando entender como elas se organizam e como gerem o seu tempo.
A ideia é inspirar outras pessoas e compartilhar estratégias.

Espero que tenha contribuído de alguma forma com a minha reflexão sobre tempo, ritmo, prioridades, suficiência e rotina, relatando desafios do trabalho, especialmente após a maternidade.

O resultado está abaixo e o original pode ser lido aqui.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Por conta dos dois meninos, eu acordo com eles, que são o meu despertador. Quando eles acordam, eu acordo também, a não ser nos dias em que eu dou aula pela manhã, quando eu acordo muito cedo, por volta das 6h da manhã e eles ficam em casa dormindo. Eu tenho uma rotina matinal. Se eu não tiver uma rotina eu não consigo me organizar pra sair de casa com os meninos. Então eu acordo, tomo café, arrumo as camas. Arrumo a casa, que sempre fica uma bagunça do dia anterior. Preparo o café da manhã deles, meu e do meu marido. A gente toma café junto, nos dias em que está todo mundo junto em casa. E eles vão pro berçário e pra escola só à tarde. Então essa rotina matinal me ajuda a ter mais organização e conseguir sair de casa com dois. Eventualmente a gente muda essa rotina em função de algum compromisso de manhã. Então se tiver que ir ao pediatra ou se eu tiver uma reunião e tiver que deixá-los na escola excepcionalmente de manhã. Mas normalmente a rotina da manhã é uma rotina calma e tranquila, com eles em casa por escolha minha. É um período que eu gosto de estar com eles dois, tirando, é claro, os dois dias em que eu dou aula pela manhã, que são quinta e sexta.

Como você administra o seu tempo? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?

Eu diria que não é uma questão de preferência, eu só sei funcionar assim. Eu sou uma pessoa que circulo muito. Sempre durante a minha trajetória eu fiz mais de uma coisa, nunca trabalhei num projeto só, numa empresa só. Eu passei por redações, como jornalista, depois passei muito tempo em organizações não governamentais, coletivos e organizações da sociedade civil fazendo assessoria de comunicação e sempre aliando isso aos estudos, ao mestrado, ao doutorado, e outros tipos de estudo e a outras atividades, como consultora, moderadora de grupos, mesmo a militância, que sempre foi uma atividade presente na minha vida. Então eu nunca fiz uma coisa só. Eu brinco que sempre fui uma equilibrista de pratinhos. E depois da maternidade essa relação com a administração do tempo mudou muito, porque os filhos gritam pra gente sobre quais são as prioridades, sobre o que é importante na vida. Depois que eu engravidei do Miguel eu revi muitas coisas nessa minha organização do tempo. Eu tinha o tempo muito organizadinho na agenda, com horários, dividindo meu dia, tentando equilibrar coisas que são pessoais, coisas que são de militância, coisas que eram de trabalho, enfim. Eu tinha uma agenda bem organizadinha, daí o Miguel veio me mostrar a primeira lição que os filhos nos trazem, que é: você não tem controle de nada, desapega, não adianta você se planejar, porque com filho planejamento só existe pra você refazer tudo. Isso a cada dia. Todo dia o filho traz uma nova questão e você precisa se reprogramar em relação ao que você tinha pensado no dia anterior. Eu inclusive mudei a forma de trabalhar, deixei de trabalhar em lugar fixo, terminei meu doutorado fazendo um monte de freelas pra flexibilizar meu tempo e poder passar mais tempo com ele. Eu amamentei o Miguel até dois anos e meio, eles são dois filhos de partos naturais, então são processos de autoconhecimento que me trouxeram muitas questões, especialmente na gestão do tempo. Eu criei um projeto chamado empreendedorismo materno, que era um blog onde eu contava histórias de mães que flexibilizaram a jornada de trabalho para ficar mais tempo com os filhos. E contando essas histórias eu também me inspirei e transformei a minha, flexibilizando a minha jornada para estar mais tempo com ele. E em seguida comecei a gestar esse projeto do Desacelera SP, que ficou mais evidente pra mim com a chegada do Francisco, cinco anos depois. Então as duas gestações me fizeram gestar esses projetos e todos eles têm a ver com essa coisa da gestão do tempo e como eu administro a minha rotina pra priorizar o que de fato é importante pra mim, que é ficar com eles. É claro que sendo uma feminista e sendo uma mulher da contemporaneidade eu estou inserida nesse contexto, são muitos dilemas, muitas questões e eu não tirei o foco da minha carreira. Eu gosto do que eu faço. Eu só tento equilibrar de uma forma que não fique tão pesada. E eu costumo questionar muito aquele discurso da mulher multitarefa que dá conta de tudo. Não, a gente não tem que dar conta de tudo. A gente precisa ter um dia mais equilibrado. O direito e as políticas públicas que a gente tem hoje não dão conta de amparar a maternidade em relação ao trabalho. A gente ainda sofre muito assédio, muitas ameaças quando engravida e volta da maternidade para um trabalho formal. A gente ainda é vista como trabalhadoras que têm limites, porque têm filhos. Então tudo isso faz com que a gente tenha que administrar isso de forma muito privada, muito isolada, muito individual, muito sozinha. Que a gente encontre outros amparos. Outros amparos que eu encontrei, além da minha família, foi nessa rede de mulheres que se articulam em torno da maternidade para repensar a maternidade nesse contexto atual, moderno, em que as mulheres que trabalham passam por essas questões. Então a minha organização, de todos os projetos em que eu estou envolvida passa por aí também.

Como é sua relação com a tecnologia? O e-mail tem interrompido sua vida produtiva? Que ferramentas você usa para se manter organizada?

Eu sou uma estudiosa da tecnologia. Não me considero uma deslumbrada, mas sou usuária heavy user de tecnologia e eu preciso usar para trabalhar, acompanhar as coisas, mas nesses momentos, por exemplo, em que eu estou com os meninos, em casa, eu procuro sempre ficar mais isolada das tecnologias para conseguir de fato garantir uma plenitude, uma presença naquele momento. Essa é um pouco da reflexão que a gente traz no Desacelera SP, se você quer estar plena, quer estar presente, você não pode estar com sua atenção dividida pro que é prioridade. Então tente estabelecer uma relação com a tecnologia em que você esteja no controle. Em momentos que você quer estar presente, evite atender aos apelos do celular, especialmente. Porque o celular é essa tecnologia em que a gente está always on, sempre disponível. O celular é uma tecnologia que entrou na nossa vida e acabou indexando nossa existência de uma maneira que a gente fica muito refém. Se você quer desacelerar, estar presente, você não pode deixar o celular interromper esses momentos de plenitude em que você quer estar inteiro. Em relação ao e-mail, eu também tenho no celular, porque facilita muito a vida, mas tecnologia é o uso que você faz dela. E esse uso não pode te deixar refém. Eu também uso e-mail no celular, vejo e-mail o tempo inteiro, fico online quando estou trabalhando no computador, mas, por exemplo, quando estou dando aula ou quando estou com os meninos, ou qualquer outro momento em que eu não posso ficar checando o tempo inteiro, eu não fico olhando e-mail, porque se aparece uma demanda, eu não vou ter nada o que fazer. E a verdade é que o e-mail vem ganhando um outro uso pelas pessoas. O e-mail vem sendo usado para coisas menos urgentes. Então eu tenho momentos do dia em que eu checo meu e-mail. E eu já me convenci de que se eu não consigo responder a uma mensagem em dois ou três dias, eu respondo dizendo “olha, eu vi a sua mensagem e vou responder assim que der” e as pessoas já começaram a entender que é assim que funciona.

Como costuma ser o seu local de trabalho? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para trabalhar?

Meu local de trabalho é muito variável. Às vezes eu trabalho em casa, planejando aula. Às vezes na faculdade, na pesquisa que eu estou desenvolvendo lá. Às vezes eu estou em sala de aula, na sala dos professores, trabalhando em alguma coisa. Às vezes estou na sala de aula orientando alunos com TCC, então os locais de trabalho variam muito. Normalmente eu trabalho bem com silêncio e um ambiente mais particular, mas esses ambientes são muito coletivos, quando eu estou na faculdade ou na sala de aula. Acho que cada ambiente tem a sua peculiaridade, mas se a questão aqui for sobre as interrupções, eu preciso trabalhar com concentração. Eu não consigo trabalhar muito bem com interrupções.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?

Na verdade as ideias são sempre muito orgânicas, com o empreendedorismo materno e o Desacelera SP, que são projetos que eu criei, são sempre projetos muito orgânicos, no sentido de tentar conectar a minha experiência de vida em algo que possa ajudar as outras pessoas. Lá atrás quando eu criei o blog eu pensei “bom, se eu vou coletar essas histórias pra me inspirar, por que não contar essas histórias pra que outras mães possam também se inspirar?” E no Desacelera SP também foi isso. Foi um movimento muito orgânico que eu e o meu marido começamos a buscar nas nossas vidas e a gente começou a perceber que essa busca poderia ser a busca de outras pessoas também. Então a gente se conectou ao movimento slow, buscamos informações e começamos a desenvolver esse mapeamento que a gente faz no Desacelera SP. E as consultorias que a gente faz, desenvolvendo cursos e oficinas para pessoas que querem isso também. Então essa criatividade – e eu nem sei se posso me chamar de criativa – mas, talvez essa prática, esse método mesmo que eu tenho na vida, de não me pensar como um ser isolado do mundo. Então provavelmente as coisas que eu estou vivenciando podem também estar sendo vivenciadas por outras pessoas. E fazer sempre no coletivo, sempre com colaboração, sempre na rede. Esse é um pouco o meu fazer, que eu acho que responde à sua pergunta sobre de onde vêm as ideias.

Como você lida com bloqueios criativos, como o perfeccionismo, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Eu não sou muito perfeccionista. E nem tenho muito medo de não corresponder às expectativas em projetos longos. Na verdade eu tenho um espírito hacker no sentido de que quando eu tenho uma ideia eu coloco ela no mundo e vejo como ela reverbera. E eu vou construindo ela na medida em que ela vai andando. Eu não tenho muito essa coisa de precisar de anos para planejar, de que a ideia precisa estar madura para jogar ela no universo. Então especialmente esses dois grandes projetos pessoais, que eu considero coletivos também, que já são do mundo, eu comecei assim, um pouco do “ah, começa e vamos ver no que dá”. O que é não dar certo, sabe? Pra mim começar já é dar certo. É uma ideia de experimentação para transformar, que eu acho que é um espírito meio hacker que eu tenho, de ir experimentando, ir fazendo, experimentar fazendo e o que der é o certo.

Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? Que conselhos sobre produtividade não funcionaram para você?

Eu não sou muito procrastinadora. Sou muito do fazer. Tenho coisas pra fazer e me organizo em listas. Depois do Miguel eu passei a me organizar em listas muito curiosas. Algumas listas eu fiz assim: “tarefas para fazer se eu tiver meia hora” ou “tarefas para fazer se eu tiver uma hora” (risos). Mas eu abandonei essas listas, porque estava muito neurótico. Mas eu tenho listas. Listas de tarefas que são prioritárias, de coisas que eu quero fazer, mas que são mais a longo prazo. E essas listas são permanentemente revisadas, inclusive para ver se elas ainda têm sentido na minha vida. Podem ser listas de tarefas que eu tenho para fazer naquele dia, que me ajudam a me organizar, e listas de coisas que eu quero realizar na vida. Eu vou guardando essas coisas. Elas me ajudam, mas eu não tenho especificamente técnicas pra lidar com isso. Eu me coloco metas, prazos, se precisar eu uso os tempos que eu tenho na semana, que não são muitos tempos livres, mas eu faço uso desses tempos de uma forma organizada. E eu vou lidando com isso. Têm tarefas que são semanais. Eu preciso planejar aulas semanalmente, eu não repito as aulas, eu estudo, revejo, trago bibliografia e exemplos novos, então pra isso eu preciso ter um tempo na semana que é fixo. E pra outras coisas eu tenho tempos móveis, que eu vou usando mais pra coisas de longo prazo. E eu funcionam bem me organizando assim.

Qual é o livro que mais mudou a sua vida e por quê? O que você considera inspirador ler ou aprender sem que lhe peçam ou esperem isso de você?

Escolher um livro é como escolher uma música, eu não consigo! Mas para o Desacelera SP foi muito revelador ler o livro Devagar, do jornalista Carl Honoré, que é a bíblia do movimento slow e foi muito revelador pra mim. Agora eu estou lendo O Bem Viver, do Ruben Acosta, que está mudando muito a minha perspectiva sobre crescimento, desenvolvimento, e essa leitura de que para conquistar o bem viver a gente vai precisar parar de crescer em algum momento. São livros que têm a ver com a minha vida hoje e são transformadores.

Que conselho você queria ter ouvido aos vinte anos? Com o que você sabe hoje, se tivesse que começar novamente, o que você faria de diferente?

O conselho que eu dou para os meus alunos: respira. Eles às vezes vêm com questões que parecem muito urgentes e eu digo “calma, respira”. As coisas não são tão assim como parecem, a vida é complexa, as relações são muito mais importantes do que qualquer outra coisa. Cultive as suas relações, a sua reputação. Como jornalista a reputação é muito importante. Se preocupe com quem você é, com o ser humano que você é e com as relações que você está construindo. Esse eu acho um bom conselho e que eu costumo dar para os meus alunos, especialmente.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Eu estou sempre gestando coisas e estou querendo fazer um projeto com meu filho, Miguel. Ele é muito criativo, tem muitas ideias, e eu acho que o meu próximo projeto vai ser em parceria com ele, eu espero. Não é exatamente um livro que eu não li, é só um projeto que eu tenho em mente para fazer com ele, vamos ver se vai dar certo.